Gata Borralheira

TÃO PERTO, TÃO LONGE

DANIEL LIMA - 16/04/2002

-- Que é isso, São Paulo! Se você conhecesse bem a gente saberia que só estamos unidos para valer nas manchetes da imprensa chapa branca e em eventos de comoção, como a morte do Celso Daniel. O problema todo é que a gente está tão perto, mas tão perto, somos vizinhos tão próximos, conhecemos tanto as nossas dificuldades individuais e coletivas que, acredite se quiser, chegamos à conclusão de que temos de nos virar por conta própria, cada um por si e Deus por todos. Se já é difícil resolver nossos dramas individuais, imagine então dos outros seis.

-- Não endosso as palavras de São Bernardo, porque são catastróficas demais. Até que temos nos dado bem em algumas questões, não é verdade Diadema?

-- Olha, Santo André, para ser sincera, sincera mesmo, para não ser pega na mentira e queimar no mármore do inferno, me desculpe Santo André, mas não é nada disso não. Se entre alguns aqui na mesa tem havido companheirismo para valer, eu não tenho sido minimamente atendida. Estou onde sempre estive, como desaguadouro social de São Paulo e parceira pouco desejada de São Bernardo, meu vizinho mais próximo.

-- Também, como esperar que a gente formasse uma irmandade se além de todas as diferenças estruturais, culturais, sociais e políticas que nos caracterizam, temos São Caetano que insiste em isolar-se como o primo rico dessa história?

-- Tinha que sobrar para mim, hein, Mauá? Cuide de suas feridas e me deixe em paz. Você então acha que vou perder tempo com reuniões para discutir o varejo que não tem absolutamente nada com minha realidade? Se a taxa de analfabetismo não me atrapalha, mas atrapalha os demais municípios do ABC, o que vou fazer numa reunião que discutirá o assunto? É claro que nada!

-- Não generalize, São Caetano, não generalize, porque temos debatido muitos assuntos que também são de seu interesse, mas você jamais comparece.

-- Ora São Bernardo, quer saber a verdade? Acho que esses encontros não significam nada porque serei sempre voto vencido pelos esquerdistas da região. Ou vocês vão negar que entre os sete representantes do ABC que estão nesta mesa apenas eu não tenho qualquer relação com a esquerda? Até São Bernardo finge que é de centro-esquerda, mas no fundo, no fundo, é de esquerda mesmo. Uma esquerda dissimulada, mas esquerda sempre.

-- Acho que você está exagerando. Quando fala de esquerda você quer dizer PT, não é verdade? Pois não sou completamente PT não. Tenho minha porção petista, resultado do movimento sindical, mas também sou de centro e até de direita.

-- Me engana que eu gosto, São Bernardo. Vocês da esquerda gostam de me criticar, de dizer que não estou nem aí para as questões regionais, mas todo mundo sabe que essa união é de araque, que não funciona. Querem um exemplo? Vejam no cadastro das indústrias que foram para o Polo de Sertãozinho, em Mauá, e verifiquem a procedência? A maioria saiu daqui mesmo, de nossos territórios. Enquanto todo mundo falava em integração, Mauá se movimentava silenciosamente e levava empresas dos outros municípios do ABC.

-- Calma lá, São Caetano, calma lá. Também não foi assim que cresci industrialmente nos últimos anos. Confesso que tinha de fazer alguma coisa, que aqueles sete milhões de metros quadrados do Bairro Sertãozinho precisavam ser ocupados, que minhas receitas orçamentárias desabavam ano após ano, enquanto as vicissitudes sociais subiam pelo elevador. Mas não fiz pirataria de terrenos de graça nem de rebaixamento de impostos para levar empresas da região para meus domínios físicos. Não me prostitui como você está insinuando. Primeiro é preciso considerar que temos a última grande área contínua do Grande ABC para investimentos industriais. É ou não é verdade?

-- É verdade, isso não posso contestar.

-- Perfeito, São Caetano. Segundo, é preciso levar em conta também que mais dia menos dia o Rodoanel vai passar na cara das empresas instaladas no Bairro do Sertãozinho. Quer melhor poder de sedução do que esse? Quando estiver completo em seu circuito de obras, o Rodoanel vai dar uma volta olímpica na agrura das improdutividades do trânsito da região e de São Paulo. Já imaginou que gol de placa? Terceiro, as empresas que recebi deixaram de ir para o Interior. Em outras palavras, isso quer dizer que evitei que o ABC sofresse mais golpes de evasão industrial. Quarto, essas mesmas empresas precisavam de mais espaço para produzir. Na maioria dos casos estavam estranguladas fisicamente e ocupavam imóveis pouco adequados às novas necessidades de produção, cuja configuração está estreitamente ligada à logística operacional. Quinto, ainda sobre logística, também há o aspecto distributivo fortemente influenciado, mesmo sem a chegada do Rodoanel, porque Sertãozinho tem disponibilidade de área física que facilita a intersecção entre transformação da matéria-prima em produto acabado e transporte ágil para clientes. Ágil é maneira de dizer, porque é difícil alcançar esse estágio na Região Metropolitana antes que o Rodoanel seja completamente construído.

-- Senti firmeza em Mauá, caro São Caetano. No mundo de hoje, em que os custos de produção e de distribuição fazem a diferença entre o vermelho e o azul nos balanços, nenhuma empresa com o juízo no lugar joga para escanteio a possibilidade de ter esses números reduzidos ao máximo.

-- Ora São Paulo, vem você agora querer tirar partido da situação e jogar todo o seu peso para o lado de Mauá? Será que todo mundo está contra mim aqui só porque sou rico, só porque sou completamente urbanizado, só porque posso me dar ao luxo de construir belas praças, arborizar avenidas, multiplicar esculturas nos espaços públicos e com isso acrescentar cultura à cidadania? Isso é discriminação. Que autoridade tem você, São Paulo, para falar de produtividade relacionada com produção e distribuição de produtos e serviços se seu sistema viário, só para citar um item, é uma parafernália assustadora, que ultrapassa qualquer bom senso? Será que você esqueceu das filas quilométricas que as emissoras de rádio e de televisão anunciam diariamente no final da tarde, como se seus repórteres estivessem narrando um jogo de futebol? Não venha com papo furado porque, se tem um Município que perdeu indústrias para valer na Grande São Paulo, depois do pobre Santo André, é você São Paulo.


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